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ENTREVISTA | NINI ANDRADE SILVA

ENTREVISTA | NINI ANDRADE SILVA

Ninimalismo escreve-se com o X da Garouta do Calhau

Publicado na DESIGN FOR LIFE #5

Nini Andrade Silva é uma das designers de interiores mais aclamadas internacionalmente, natural do Funchal, na Ilha da Madeira. A sua carreira é marcada por uma abordagem única que combina funcionalidade, estética e uma profunda ligação às suas raízes culturais. Formada em Design no IADE, Lisboa, Nini enriqueceu a sua formação e experiência profissional em cidades como Nova Iorque, Londres, Paris, África do Sul e Dinamarca. Esta vivência internacional reflete-se em projetos premiados globalmente, desde hotéis de luxo até peças de design de mobiliário. A sua obra integra publicações prestigiadas como o New York Times, Financial Times, Wallpaper e Condé Nast Traveller.
A sua assinatura criativa, conhecida como “Ninimalismo”, alia simplicidade e intemporalidade a um profundo respeito pela alma dos lugares onde trabalha. Em 2011, foi distinguida com a Ordem Honorífica do Infante D. Henrique, Grau de Oficial, pelo Presidente da República Portuguesa. Em 2022, foi nomeada
Cônsul Honorária da Colômbia e recebeu a Orden Nacional al Mérito, grau de Caballero da República da Colômbia.
Nini é também autora de coleções exclusivas de mobiliário, como a linha “Garota do Calhau”, que homenageia a cultura e a história da Madeira. Dedica-se, ainda, à pintura, com obras suas em coleções de arte contemporânea em Portugal, Irlanda e Nova Iorque.
Em 2015, inaugurou o Design Centre Nini Andrade Silva no Funchal. Com mais de 30 anos de experiência, Nini tem sido reconhecida com mais de 50 prémios, incluindo os prestigiados Andrew Martin Award, World Travel Awards e International Property Awards, entre tantos outros.
Nesta conversa com o seu amigo Carlos Magno, confessa ser disléxica e explica a diferença entre a Isabel e a Garouta do Calhau.


O Ninimalismo é a síntese perfeita desta mulher que tem luz própria e brilha no cabide árvore da Antarte.
Carlos Magno | Quem te fotografa ou vê as tuas fotografias pergunta sempre: De onde vem essa luz?
Nini | Vem de dentro. Não sei explicar. É energia.
CM | Viajas muito. Na vida profissional és a Nini, mas quando fazes check in num aeroporto és a Isabel Andrade Silva. Ainda respondes quando te chamam pelo teu nome civil?
N | Às vezes esqueço-me e não dou por mim. Sei que sou Isabel, mas o reflexo não é automático. Dizem Isabel e eu nem olho!… Nini foi a primeira palavra que eu disse quando era criança e toda a gente me chama Nini. Desde a família e os amigos até às pessoas que não conheço. Uma vez, num hospital no Brasil, chamaram várias vezes «Isabeu!…Isabeu!» com o sotaque local, mas eu não respondi até que a certa altura veio uma funcionária que me deve ter achado muito mal porque perguntou: «Moça, você nem sequer sabe o seu nome?!…»
CM | Mas também és a Garota do Calhau. De onde vem esse nome?
N | No meu tempo de criança, aqui na Madeira, havia os chamados garotos do calhau. Brincavam com as pedras na praia e passavam a vida na rua, de dia e de noite. Eram livres. Iam para o mar e pediam moedas aos turistas e aos passageiros dos navios que iam para a África do Sul. Eu também queria ser garota do calhau, mas quando chegou a idade de estudar os meus pais disseram-me que não podia passar a vida na rua. Quando acabei a Faculdade comecei a viajar e intitulei-me Garota do Calhau.
CM | Assim mesmo, com sotaque madeirense, «garouta»
N | Sim. Escrito assim mesmo, com sotaque gráfico madeirense. Vários amigos meus me disseram para ter juízo porque esse nome ia contaminar a Nini, mas eu não me importei e comecei a criar objetos de moda e design com essa assinatura. Depois passei a intitular-me também a Garouta do Calhau e fizemos uma associação com centros de dia, estamos a fazer agora também um centro de noite, centros de apoio a doentes de Alzheimer e de solidariedade social. É um nome bonito com que também assino quadros e tenho muito orgulho em ser eu própria a Garouta do Calhau.

“Para mim, o design não é apenas funcional;
é uma forma de contar histórias que ressoem
emocionalmente com quem as vive”

CM | Garota escrito Garouta e com um X na assinatura
N | Sim. Tem um X vermelho em cima porque os garotos de rua davam muitos erros ortográficos e eu também os dava porque sou disléxica. O X é uma espécie de logo que me resolveu o problema e deu personalidade à marca.
CM | Nasceste e vives na Madeira, mas já me confessaste que estás apaixonada pelos Açores. És a madeirense mais açoreana de Portugal?
N | Talvez de Portugal e do Mundo. Sou madeirense de coração, mas quando comecei a ir aos Açores fui recebida como se fosse açoreana. Sinto-me em casa naquelas ilhas. Sou uma mulher da Atlântida porque Açores e Madeira fazem parte desse continente perdido.
CM | Mas és mais açoreana oriental ou ocidental?
N | Sou açoreana com o coração madeirense onde cabe o mundo todo.
CM | Mas tens mais obras no ocidente ou no oriente?
N | Nos dois lados. Antes ia muito mais para a Ásia, mas hoje trabalho mais na América, sobretudo no Brasil e na Colômbia, mas ainda há dias me pediram uma obra no Japão. Portanto continuo ao centro a trabalhar em todos os fusos horários.
CM | Na Colômbia és diplomata e Cavaleira.
N | Sou Cavaleira com uma Ordem conferida pela Presidente da República desse país que eu também amo. A primeira vez que lá estive fiquei apaixonada pela Colômbia e prometi a mim própria que tinha que mostrar ao mundo a maravilha daquela terra. Hoje sou cônsul da Colômbia no Funchal
CM | Colômbia que vem do nome de Colombo, o tal descobridor Cristóvão que teve uma casa no Porto Santo.
N | Exato. O Colombo seja lá da nacionalidade que for que casou aqui no arquipélago e que me faz a mim também ser cidadã do Mundo.
CM | Na apresentação do teu último livro o arquiteto Souto Moura disse que tu eras um caso singular de alguém difícil de catalogar porque tens uma energia transbordante e uma maneira única de olhar para o Mundo.
N | Fiquei muito sensibilizada porque o Eduardo aceitou apresentar o meu livro e depois declarou que teve que me estudar. O que ele disse de mim deixou-me extremamente feliz e orgulhosa. Mas mais importante do que tudo foi eu reconhecer na explicação do Souto Moura características minhas que eu sentia, mas não conseguia identificar. Foi uma lição que ele me deu sobre mim própria.
CM | Foi assim tão surpreendente?
N | Sim. Com a apresentação do Eduardo Souto Moura eu percebi que existo mesmo.
CM | Ninimalismo é o título do teu livro ou um resumo da tua obra?
N | O Ninimalismo é essa luz de que tu falaste no princípio desta conversa.
CM | Mas é também um jogo de linguagem com o Minimalismo quando, às vezes, a Nini tem uma obra maxi ou mesmo excessiva.
N | É esse mix. É o paradoxo também do mini e do excesso. Às vezes exagero na mistura do clássico com coisas mais contemporâneas ou modernas. Se quiseres resumir o Ninimalismo é o minimalismo com alma.
CM | Já fiquei em hotéis decorados por ti onde sinto esse minimalismo, mas há um hotel nos Açores onde me senti numa verdadeira loja de viagens.
N | Foi no Azor, certamente! Mas foi isso que me foi pedido. Esse hotel está hoje remodelado outra vez por mim e quando lá voltares verás a diferença porque tem menos objetos à mistura, mas continua a ser um local onde passa gente vinda de vários continentes. Hoje esse hotel chama-se Octante e continua a ser um ponto de encontro de pessoas que viajam sempre.
CM | Tens trabalhado com muitos arquitetos e sem te querer comprometer diz-me dois ou três de quem gostes muito, além do Souto Moura
N | Pergunta difícil… porque gosto muito de muitos e se só me dás três para escolher, restam-me dois… mas cito o Carvalho Araújo e o Miguel Saraiva, mas fica como extra catálogo o maior de todos: O Siza, Claro!…
CM | E em que obras andas agora metida? Desculpa o estilo da pergunta, mas onde estás a trabalhar agora e que surpresas podemos esperar?
N | O W em S. Paulo. Já lá ando há oito anos e vai agora ser inaugurado. É um fantástico hotel com residências também. Mas tenho feito muitas casas particulares e a maior dessas, por contrato e por razões óbvias de privacidade, não podem figurar nos catálogos.
CM | Decoraste o cabide árvore e ficou uma obra assinada no Antarte Museum que não precisava de assinatura para se perceber que é tua. Fica a pergunta para terminar: Nesse cabide só será permitido pendurar roupa branca?
N | Não. Podes por lá as cores que quiseres. Eu quase só uso roupa branca, mas às vezes também me visto de preto. É conforme o estado de espírito. Só espero que tu, que me conheces bem, encontres nessas cores a luz de que falávamos no princípio desta entrevista.
Maria Isaura Magalhães | Como iniciou o percurso de sucesso do Funchal para o Mundo?
Nini | Desde criança, o meu mundo sempre foi maior do que a Madeira. Cresci numa casa cheia de criatividade, onde o meu pai, um verdadeiro artista, cantava fado e fazia aguarelas, e a minha mãe nos incutia disciplina e responsabilidade. Aos 14 anos, viajei para os EUA e percebi o quanto o mundo era vasto e cheio de possibilidades. Essas experiências marcaram-me e fizeram-me acreditar que poderia levar a Madeira comigo para qualquer lugar. A primeira grande oportunidade veio com projetos ligados à tapeçaria, através da família Kiekeben, que revolucionou a produção artesanal na ilha. Esse contacto inicial com o design de alto nível abriu-me portas e ajudou-me a construir um portefólio que mais tarde me lançou em mercados de prestígio como Londres e Nova Iorque.
MIM | O que a levou a optar pelo Design, após a indecisão com a Arquitetura?
N | Desde cedo, sabia que queria criar, mas, acima de tudo, criar com liberdade. A arquitetura, com toda a sua grandiosidade, é muitas vezes limitada por regras, normas e constrangimentos técnicos, enquanto o design me oferecia um espaço de expressão mais imediato e intuitivo. O design permite explorar a fusão entre estética e funcionalidade, mas de uma forma que desafia os limites e assume riscos criativos. É um campo onde posso ser mais audaz, reinventar-me constantemente e experimentar formas e ideias que, por vezes, na arquitetura, seriam mais rígidas ou restritas. Lembro-me que foi a minha mãe quem apoiou a decisão de seguir design, mesmo quando o meu pai, talvez mais pragmático, sugeriu arquitetura. No IADE, em Lisboa, encontrei um ambiente que estimulava a experimentação e a expressão pessoal, permitindo-me questionar as normas e explorar a minha própria linguagem. Ali, percebi que o design tem uma flexibilidade que é libertadora: podemos criar histórias através de espaços e objetos, e os projetos nascem de uma narrativa profundamente humana, sem a rigidez de estruturas físicas monumentais. Além disso, o design permite uma interação mais direta com as pessoas e as suas emoções. Um espaço ou uma peça de mobiliário pode transformar a maneira como alguém vive ou sente. Essa proximidade com o utilizador final é o que torna o design tão especial para mim. Foi essa escolha que marcou o início de um percurso criativo onde assumi a liberdade e os riscos como motores do meu trabalho, – uma abordagem única e emotiva ao design, que une simplicidade, intemporalidade e alma.

“Quero que a minha obra continue a inspirar
e a crescer, mesmo para além de mim”

MIM | Como gere as equipas multiculturais e a inclusão nos seus projetos?
N | Trabalhar com equipas multiculturais é uma riqueza sem igual. Acredito que cada projeto é uma colaboração de ideias e experiências, onde todos contribuem com a sua visão. Sempre encorajei o diálogo aberto e a partilha criativa, porque é na interseção das diferenças que se encontram as soluções mais inovadoras. A inclusão não é apenas uma escolha; é um princípio fundamental do meu trabalho, pois acredito que o design deve refletir a diversidade do mundo que nos rodeia.
MIM | As viagens são a sua maior inspiração? Como é o seu processo criativo?
N | As viagens são fundamentais na minha vida e na minha criatividade. Cada lugar que visito, cada cultura que experiencio, é uma oportunidade de absorver histórias, cores, texturas e emoções. O meu processo criativo começa sempre com a investigação. Falo com as pessoas, ouço as suas histórias e procuro compreender as raízes de cada lugar. A partir daí, crio uma narrativa para o projeto, que começa sempre dentro de mim, na minha imaginação. Para mim, o design não é apenas funcional; é uma forma de contar histórias que ressoem emocionalmente com quem as vive.
MIM | Já sentiu alguma vez falta de imaginação?
N | Nunca senti falta de imaginação, mas acredito que a criatividade precisa de espaço para fluir. Sempre que me sinto sobrecarregada ou sem ideias, dou um passo atrás. A criatividade nasce da liberdade, não da obrigação. Tenho a sorte de estar rodeada por uma equipa fantástica que me desafia e complementa. Além disso, sou uma grande defensora de que a inspiração pode vir de qualquer lugar – uma pedra na praia, uma conversa inesperada ou até uma música que me faz parar para refletir.
MIM | Que importância têm os prémios que recebe?
N | Os prémios são, sem dúvida, um reconhecimento do trabalho árduo, não só meu, mas de toda a equipa. Cada distinção reafirma que estamos no caminho certo, mas também nos desafia a ir mais longe. No entanto, não faço design para ganhar prémios; faço-o para tocar as pessoas e criar algo que as inspire. Um dos momentos mais marcantes foi receber a Ordem do Infante D. Henrique, uma honra que simboliza não só o meu percurso, mas também a capacidade do design português de ser reconhecido mundialmente.
MIM | Considera-se embaixadora do design português?
N | Sem dúvida, é um título que abraço com orgulho. Levar o design português para o mundo é uma missão que me motiva diariamente. A Madeira e Portugal são a minha base, e tudo o que crio tem uma ligação, que muitas vezes pode não ser direta, às minhas raízes. O reconhecimento internacional do meu trabalho é uma oportunidade para mostrar que, em Portugal, fazemos design de excelência. Não considero que Portugal esteja “na moda”; acredito que foi redescoberto por quem agora percebe o seu potencial e autenticidade.
MIM | Em 2022 recebeu o prémio Femina na categoria de empreendedorismo e humanitarismo. Que significado atribuiu a este reconhecimento?
N | Receber o prémio Femina foi muito emocionante, porque simboliza não só o meu trabalho no design, mas também o impacto social que procuro ter. Sempre acreditei que o design deve ter um propósito maior, seja ao transformar vidas ou ao contar histórias que nos aproximem uns dos outros. Este prémio reforça a ideia de que criar vai além do estético; trata-se de tocar vidas e deixar um legado positivo.
MIM | A responsabilidade social e a sustentabilidade ambiental são marcas distintivas do seu trabalho?
N | Sim, são pilares fundamentais de tudo o que faço. Desde as minhas primeiras coleções, como a Garota do Calhau, que as questões sociais têm estado presentes. No que respeita à sustentabilidade, acredito que este tema não deve ser encarado como uma tendência passageira, mas sim como uma responsabilidade intrínseca a todos os criadores. Para mim, o design sustentável significa respeitar os materiais, a história e as pessoas envolvidas no processo criativo. Um exemplo concreto dessa abordagem é o Sofá Duna, fabricado em cortiça maciça 100% reciclável. Esta peça, além de ser uma homenagem às formas orgânicas da natureza, reflete um compromisso profundo com a sustentabilidade. Foi uma honra ver este sofá integrar a coleção permanente do MUDE – Museu do Design e da Moda, provando que o design pode ser ao mesmo tempo ecológico, funcional e esteticamente impactante. O meu Design Centre no Funchal é outra manifestação desse compromisso, combinando inovação com uma ligação profunda às raízes culturais da Madeira. Acredito que o design pode – e deve – ser um agente de mudança positiva para o mundo.
“O meu trabalho está no cruzamento
entre a arte e o design”

MIM | Que projetos tem atualmente e que projeto sente que ainda lhe falta fazer?
N | Atualmente, estou envolvida em projetos fascinantes, desde hotéis de luxo no Brasil, como o W São Paulo, até projetos em Portugal, Espanha e na Madeira. Cada um traz desafios únicos e me inspira a explorar novas ideias. Quanto ao projeto que ainda falta fazer, diria que há dois: um hotel onde cada espaço se transforme diariamente através de tecnologia e luz, e gostava de me dedicar cada vez mais ao design de produto, mas de vertente artística, como o sofá Duna que é uma verdadeira escultura funcional. Ainda sinto que há tanto por criar, tantas histórias para contar.
MIM | O que define o seu trabalho: a arte ou o design?
N | O meu trabalho está no cruzamento entre a arte e o design. Enquanto designer, crio com funcionalidade em mente, mas com o coração de uma artista. Gosto de acreditar que cada peça ou espaço que desenvolvo transcende a sua função prática para contar uma história, provocar emoções e desafiar perceções. O conceito de “Ninimalismo”, que define o meu estilo, reflete exatamente essa dualidade: a combinação de simplicidade, intemporalidade e alma.
MIM | Dos sonhos de menina madeirense, o que lhe falta concretizar?
N | Dos sonhos que tinha enquanto menina, sinto que concretizei muitos. Consegui levar a essência da Madeira para o mundo, criar uma marca reconhecida internacionalmente e transformar histórias em design. Mas ainda falta um sonho: criar um projeto totalmente inovador, onde o design se reinvente diariamente. Quero que a minha obra continue a inspirar e a crescer, mesmo para além de mim. Porque todas as histórias têm um princípio, um meio e um fim – e o importante é que o fim seja tão marcante quanto o início.

Créditos fotográficos por Pedro Côrrea da Silva

Fotografia: DFL

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CATARINA GOUVEIA - Embaixadora da Sustentabilidade